"Acho as lágrimas muito cheias de dizeres. Elas moram dentro da gente e aliviam as dores que também moram dentro da gente. Não sei por que elas não curam a dor antes de a dor doer. Mas vou deixar para falar de lágrimas depois. Chorar cansa! Depois de muita lágrima há que dormir um longo sono. Agora não quero dormir. Minhas tristezas estão maduras. Só tristezas verdes precisam de água para crescer. Também não sei a cor das tristezas maduras. Devem ser transparentes."
"Eu não gosto dos crepúsculos ou das madrugadas. São momentos indecisos e fáceis de trazer tristeza. Na madrugada sinto como se a noite tivesse preguiça de nos deixar e o dia, preguiça de começar, e eu, com medo de crescer. No crepúsculo são as nuvens embaçando tudo. Crepúsculo é como uma estação onde muitos partem e muitos chegam. Todos ficam no meio do caminho. Saíram e ainda não chegaram. Dói muito esse lento instante."
"Eu amava meus avós. Compreendia o que faltava e o que sobrava em cada um deles. Para minha avó faltava amor e para meu avô sobrava paixão. Eu distribuía, em partes iguais, o meu afeto.Quando a imensa solidão pesava sobre minha avó, eu me assentava ao seu lado, segurando sua mão, sem dizer nada. Toda palavra seria inútil. Ela correspondia meu carinho com mais carinho. Deixava exalar uma cantiga tão baixinho que eu precisava abrir bem os ouvidos. Sua voz era mais doce que os suspiros que ela assava em forno brando e que desmanchavam no céu da minha boca.
Jamais pedi ao meu avô que levasse com ele em seus passeios pela tarde. Não pensava em invadir seu destino nem destrancar seu coração. Percebendo minha cumplicidade, ele se aproximava de mim e passava a mão em minha cabeça, como se benzendo ou abençoando meus pensamentos. Meu avô estava sempre me lendo!"
"A casa do meu avô era silenciosa. Todas as palavras tinham sido ditas. Nada mais mudava do lugar. Mesmo no escuro se podia encontrar uma agulha na gaveta do criado que também era mudo. Uma casa sem palavras é uma casa vazia. Palavra povoa tudo. Corta o silêncio e, aonde chega, fica. Se a gente escreve, pode apagar, mas, se falamos, fica impossível recolher as palavras. Palavra é como borboleta, bate as asas e voa. Palavra não nasce em árvore, ela brota no coração. A gente sabe que ela tem cor, porém cada uma guarda uma ilusão. No alpendre da casa do meu avô havia três borboletas presas na parede. Suas asas eram de louça dura. Elas não partiam. Para voar é preciso asas leves e muito vazio pela frente. Para falar é preciso ter o que dizer."
"Meu pai dirigia um caminhão muito grande e bonito. Viajava para longe, levando manteiga para as cidades que só produziam pão. Bom Destino tinha pão e manteiga. Passava dias distantes e voltava trazendo uma carroceria de notícias. Eu ficava impressionado como era grande o mundo do meu pai. Ele colocava um travesseiro sobre seus joelhos, me assentava em cima e me entregava o volante para eu dirigir. Naquele tempo eu não sabia nem frear meus pensamentos. Tinha só duas pernas; imagina dirigir um caminhão com dez rodas.
Depois, como seria possível eu aprender a dirigir, se minha alegria eram as paisagens! No caminhão havia um espelho de lado. Eu apreciava ver meu pai olhando para a frente e correndo os olhos sobre o que estava atrás. Nesses momentos ele possuía muitos olhares."
(Fragmentos do livro O olho de vidro do meu avô, de Bartolomeu Campos de Queirós.)
2 comentários:
ai
so posso dizer q é poesia pura
lindodemais!!!!
amiga, desculpa, mas eu só tenho vontade de rir qd lembro desse livro " Os olhos de vidro do meu avô" kkkkkkkkkkk!
Beijoooooooooo!
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